Dobras, normas e decisões

Uma breve história das normas, corte otimizado, dilemas de gestão e o desafio de enxergar o valor que fica depois que o excesso vai embora.

Na edição de hoje:

🔩 Entre história, norma e futuro — Seguimos projetando com cautela extra enquanto outros países já confiam mais na ciência e na capacidade do aço.

💡 Código Aberto — Visão geral do cálculo de esforço cortante em Python, direto ao ponto para quem quer sair do básico.

Linha de Produção — Como um simples ajuste no corte a laser trouxe um salto de eficiência e economia de quase R$ 900 no resultado final.

🤔 Dobras & Dilemas — O dilema do líder: confiar, comunicar e não maquiar a realidade. Insights práticos de quem vive os dilemas do dia a dia.

Corte na alma

Perfis Formados a Frio: Entre História, Norma e Eficiência

Em 1850, engenheiros norte-americanos começaram a dobrar chapas de aço a frio para criar perfis estruturais. Nascia ali, discretamente, uma revolução: estruturas leves, econômicas, com precisão dimensional e adaptáveis à lógica industrial.

Décadas depois, com o avanço da laminação e da produção em série, os perfis formados a frio conquistaram espaço na construção modular e nas estruturas metálicas leves. De 1930 a 1950, a engenharia americana transformou essa técnica em norma, com apoio do AISI e da Cornell. Foi o primeiro passo para dar forma e critério àquilo que o aço já sustentava com eficiência.

E aqui no Brasil? Começamos pela indústria automobilística e eletrodoméstica, até que a construção civil enxergou o potencial desses perfis. Mas, como em quase tudo por aqui, o aço chegou antes da norma.

Corte na alma

Seção Efetiva: rigor técnico ou limitação normativa?

A NBR 14762 nasceu em 2001 para organizar o uso dos perfis formados a frio em projetos estruturais. É uma norma importante, com base no método dos estados limites e no cálculo da seção efetiva , uma estratégia que considera o efeito das instabilidades locais para reduzir a área resistente do perfil.

É um método seguro. Mas, como todo excesso de cautela, pode custar caro.

A norma ignora a instabilidade distorcional, uma falha comum em perfis mais esbeltos e não enrijecidos. O projeto, então, precisa compensar. Mais aço, mais peso, mais custo. A norma segura o engenheiro e segura o avanço técnico junto.

Código aberto

Cálculo de Cortante com Python

O exemplo abaixo mostra a análise de uma viga submetida a três tipos de carregamento: carga distribuída, carga pontual e momento fletor. A seção transversal é retangular, e o material considerado é o concreto com fck de 30 MPa. O objetivo é calcular os esforços cortantes, momentos fletores e os deslocamentos ao longo da viga, inclusive em pontos com descontinuidade localizada.

O código foi fracionado e os trechos apresentados de forma comentada. Abaixo, os principais parâmetros definidos:

w = 1.0        # Carga distribuída (kN/m)
l = 6.0        # Comprimento da viga (m)
fletor = 2.0   # Momento fletor (kN.m)
fpontual = 30.0 # Carga pontual (kN)
a = 2.0        # Posição da descontinuidade (m)
b = 0.4        # Largura da seção da viga (m)
h = 1.2        # Altura da seção da viga (m)
fck = 30.0     # Resistência característica do concreto (MPa)

A seguir, o cálculo das propriedades da seção e módulo de elasticidade do material:

E = 1000 * 5600 * np.sqrt(fck)  # Módulo de elasticidade (kN/m²)
I = b * h**3 / 12               # Momento de inércia (m⁴)

A análise é conduzida com três funções: uma para esforço cortante, outra para momento fletor, e uma terceira para flechas. A função abaixo determina o esforço cortante em função da posição x ao longo da viga:

def cortante_combinado(w, l, fpontual, x_pos, a):
    x_pos = np.atleast_1d(x_pos)
    cortante = np.zeros_like(x_pos)
    for i, x in enumerate(x_pos):
        if x < 0 or x > l:
            cortante[i] = 0
        elif x <= a:
            cortante[i] = w * (l - x) + fpontual
        else:
            cortante[i] = w * (l - x)
    return cortante if len(cortante) > 1 else cortante[0]

Com essa estrutura, é possível calcular o cortante em qualquer ponto de interesse da viga. No mesmo padrão, são definidos os cálculos de momento fletor e flechas.

O modelo pode ser facilmente adaptado para incluir outros tipos de carregamento ou geometrias de seção mais complexas. Seu uso em projetos práticos é especialmente útil em análises exploratórias, verificações rápidas ou validação de modelos numéricos mais sofisticados.

Corte na alma

Lá fora, o aço já se modernizou

Enquanto a norma brasileira estaciona na seção efetiva, outros países aplicam métodos mais modernos e menos conservadores.

A AISI S100, nos EUA, usa o DSM (Direct Strength Method). Esse método analisa diretamente a resistência dos perfis, inclusive considerando a flambagem distorcional e a reserva pós-flambagem. O aço dobra, sofre, mas ainda tem força. E a norma reconhece isso.

Na Austrália e Nova Zelândia, a AS/NZS 4600:2018 expande esse raciocínio com verificações específicas para cisalhamento e flexo-compressão. Já o Eurocode EN 1993-1-3 ainda adota o método das larguras efetivas, mas mesmo assim incorpora mais flexibilidade do que a nossa 14762.

E nós seguimos limitando o aço e os engenheiros que tentam fazer mais com menos.

Dobras & Dilemas

A verdade que sustenta

O diretor executivo não deve maquiar a verdade.
A ilusão da positividade pode matar a empresa. Quando não enxergamos os problemas, não os resolvemos. E quando não resolvemos, criamos um ambiente que não propicia melhoria contínua.

A confiança é um dos elementos primordiais na construção da cultura da empresa. Isso impacta diretamente na comunicação. Se confiamos, comunicamos menos. Pode-se dizer que a confiança é inversamente proporcional à comunicação.

Construir confiança nos líderes e na empresa em geral é fundamental para alcançar o sucesso. Quando a base é confiável, a estrutura carrega mais.

Os problemas precisam ser evidenciados. Não existe força no silêncio. Resolver junto é mais eficiente do que sustentar sozinho. Dividir o peso, reunir as melhores cabeças e construir a solução em conjunto é o que sustenta o avanço.

Diante de olhos atentos, todos os erros ficam evidentes.

Uma cultura sadia encoraja as pessoas a partilharem as notícias ruins. O papel do líder é criar esse espaço. Um lugar onde os erros não são punidos, são compartilhados. Um ambiente que recompensa quem se dispõe a resolver.

Porque o que sustenta a empresa não é a ausência de problemas. É a disposição em enfrentá-los, sem desviar os olhos.

Insights do livro O lado difícil das situações difíceis.

Corte na alma

A revisão que norma brasileira precisa

A norma NBR 14762 está em revisão. É a chance de atualizar não apenas um texto técnico, mas a maneira como projetamos estruturas leves no Brasil. A engenharia nacional precisa de ferramentas que dialoguem com o que já é feito no mundo e com o que o nosso canteiro exige.

Se continuarmos restringindo o uso inteligente dos perfis formados a frio, vamos reforçar uma cultura de superdimensionamento e ineficiência.

Projetar é assumir responsabilidade. Mas também é confiar na ciência e na capacidade dos materiais. O aço dobrou, evolui, se ajustou. As normas também. Só falta a nossa acompanhar.

Linha de Produção

Eficiência mora nos detalhes

O corte a laser da chapa de aço parecia estar resolvido há muito tempo, mas foi exatamente aí que a história virou. Ao revisar o desenho das pranchas, a eficiência deu um salto em um dos produtos: houve um ganho de 10,42% de eficiência.

Pode parecer pouco, mas são R$ 84,00 de ganho em cada prancha. No todo, após o reordenamento correto das peças, montar o mesmo conjunto saiu de R$ 2.941,42 para R$ 2.135,67, uma diferença que, rodada em escala, soma R$ 889,72 ao considerar a economia de prancha e a melhoria na performance.

No chão de fábrica, esses ajustes não vêm de grandes planos. Vêm do olhar atento para o detalhe, de um teste atrás do outro até acertar o posicionamento otimizado das peças. O ganho é simples, no longo prazo muda o resultado do produto. Eficiência é hábito, não discurso.

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Nos vemos na próxima!

— Gabriel

P.S.
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