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Como os países influenciam os códigos normativos

Caro engenheiro,

Nos últimos anos, alguns assuntos começaram a me chamar atenção, aos quais dediquei tempo e curiosidade para compreender melhor. Foi possível aprender, desenvolver algumas habilidades e, agora, contribuir com os demais. Até agora tenho me sentido contente.

Mas há uma voz dentro de mim que, de vez em quando, me deixa inquieto. Ela pergunta:
“Por que as coisas são assim? Por que mudam de país para país?”

Foi dessa inquietação que nasceu uma pergunta prática e profundamente técnica:
Por que o dimensionamento de um perfil U de aço formado a frio muda tanto dependendo do código normativo que usamos?

No Brasil, seguimos a NBR 14762, mas basta cruzar a fronteira com qualquer outro centro técnico global, seja nos EUA, Europa, Austrália ou China para descobrir que os critérios mudam. E mudam bastante.
Alguns tratam com precisão todos os modos de flambagem. Outros, nem sequer reconhecem a flambagem distorcional com o devido rigor. A consequência? Projetos mais conservadores, menos otimizados ou, no extremo oposto, inseguros.

Foi então que decidi mergulhar nisso.
Estudei as normas da AISI, Eurocode, AS/NZS 4600, GB50018 e da própria NBR.
E o que encontrei foi um mapa técnico revelador. A começar pela constatação de que não existe um único “modo certo” de projetar aço formado a frio mas sim escolhas normativas que carregam diferentes filosofias de segurança, eficiência e modelagem da realidade.

Por exemplo:
📘 A AISI S100-16 e o Eurocode 1993-1-3 são referências em maturidade. Tratam com profundidade a flambagem local, distorcional e global. Incorporam metodologias avançadas como o Método da Resistência Direta (DSM), que permite análises mais integradas e otimizações reais.
📕 A norma chinesa GB50018-2002, por outro lado, ignora a flambagem distorcional de forma explícita. E esse “silêncio técnico” pode custar caro: mais aço, menos precisão.
📙 Já a nossa NBR 14762... bem, é funcional, mas carece de clareza sobre como lida com interações complexas de flambagem, especialmente em perfis de parede fina, como os perfis U.

Para não ficar só no discurso, escrevi um código aberto que compara, passo a passo, o momento resistente de um mesmo perfil U em cada norma.
Ele estará disponível em breve no Google Colab.

É aqui que a voz volta. E pergunta:
“Quantos projetos estão sendo superdimensionados ou subestimados por confiarmos cegamente em uma norma que não reconhece a complexidade da instabilidade estrutural?”

Essa pergunta não é só técnica. É política. É econômica.
Porque projetar com excesso é desperdiçar aço, energia e dinheiro.
Projetar com falta é arriscar vidas.
Projetar com consciência, por outro lado, exige um novo tipo de engenheiro: um que entenda não apenas de fórmulas, mas de código e aqui falo tanto do código normativo quanto do código-fonte que move as ferramentas de análise.

Sim, os softwares fazem diferença. Mas eles só replicam aquilo que compreendemos bem.
E compreender, nesse caso, é saber que o dimensionamento não são somente números. É uma interação entre modos. É até mesmo uma instabilidade que se esconde até no detalhe mais fino da seção.

É por isso que escrevo.
Não para criticar normas, mas para lembrar que elas são fruto de escolhas e contextos, e que nós, engenheiros, temos o dever de ir além do que nos é entregue pronto.
Seja estudando mais a fundo o DSM, seja questionando por que nossa norma ainda não integra o que já é prática consolidada em outras partes do mundo.

Essa é só uma carta.
Mas, talvez, seja também um chamado.
Aquele que diz: “você não está sozinho nessa inquietação”.

Sinceramente,
Gabriel Stocki